quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Voo (sem acento, segundo a nova regra, hehe)

A mente da criança é curiosamente inversa ao corpo das aves. A ave precisa atingir certo nível de crescimento e desenvolvimento para poder voar, ela precisa ser adulta. A criança já nasce com as asas da imaginação e da criatividade bem desenvolvidas, prontas para voos maravilhosos, viagens divertidas, prontas para a liberdade do que é imaginar. O céu por onde a imaginação voa é amplo, infinito, mais azul que o céu mais bonito que já houve. À medida que cresce, as asas vão parando de bater com tanta intensidade, os voos são poucos e duram menos. O céu já não é tão azul. E chega uma hora em que as asas já não ousam voar para muito longe, para territórios inexplorados, para domínios novos. Chega uma hora em que as asas ficam atrofiadas. É triste.

A imaginação pode, mas não ousa. Voar para longe não é mais possível, não há mais tempo pra isso. Guardam a imaginação numa gaveta mental e só abrem a bendita gaveta para dar uma espiadinha. A imaginação se torna um móvel já gasto, mas em perfeito estado de uso e aproveitamento que se guarda na despensa. “Uso você depois, tá?”. Na verdade, a imaginação é um brinquedo. Muito valioso quando se é criança e mal aproveitado quando se é adulto. É aquele brinquedo que a gente guarda porque não pode jogar fora. A imaginação também é uma casa enorme, gigantesca, cheia de cômodos, com mais cômodos do que você pode contar. A criatividade é a chave que você usa para abrir a porta e adentrar esses cômodos. Há cômodos que levam a outros cômodos e esses outros cômodos revelam milhares de outros. Sem criatividade, esses cômodos infelizmente vão ficar sempre fechados e você não terá acesso a lugar nenhum. Mas basta criatividade, basta deixar fluir.

Seria legal se fosse assim: há um cara que o convida para entrar e você encontra um local todo vazio. O cara sorri pra você, um sorriso bondoso e sábio, o sorriso de quem conhece todos os segredos do universo e acha todos bem simples, e diz: “Aqui é você quem manda, use a imaginação. Ela é o carro-chefe, o passaporte pra felicidade, é a peça que faz todas as engrenagens funcionarem. Ah, chega de metáforas. É você quem tem que viajar, não eu”. Esse local vazio, esse galpão imenso, se chama ficção. Ela não é nada se você não souber dar voos altos.



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