quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Briga Irracional

Você já leu um texto e se perguntou se o autor estava drogado quando o escreveu? Não?! Fala a verdade, não precisa esconder, hehe... Eu já, muitas vezes. Às vezes, o texto é tão viajante e alucinado que você não consegue entender como aquilo pode ter vindo de uma mente no lugar. E por que eu tô falando isso? Porque o texto a seguir é bem louco e sem noção. Você pode pensar que eu o escrevi depois de uma noite de farra, com a cabeça girando mais que um pião. Mas não houve nada disso, não. Juro de pé junto!!
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Um cavalo entediado com o que estava assistindo na televisão, resolveu trocar de canal. Epa, tem algo aí difícil de imaginar. E tá bem na cara, não é? Como é que um cavalo consegue trocar de canal? Simples, amigos de mentes limitadas, é só ele pisar de levinho no botão CANAL do controle remoto, com a suavidade de um bebê.

Ele gostou do que viu no outro canal, uma competição de hipismo com alguns semelhantes bem habilidosos. Acabou se divertindo à beça quando um ou outro encostou nos obstáculos por descuido. Quando a coisa toda estava no auge da competitividade, a imagem na tela mudou subitamente para um desfile de moda. Confuso, o cavalo ouviu um ronronar animado por perto e, baixando a cabeça, descobriu um gato ao lado do controle remoto. Perguntou a ele que direito ele tinha de interromper sua diversão. O gato respondeu que era melhor ver um bando de gatas desfilando do que vários cavalos pulando. Tomado de indignação, o cavalo disse que não ligava para a opinião dele e ordenou que colocasse de volta na competição, que estava animal. O gato, porém, nem prestou atenção; estava babando pelas gatas.

Pior para ele. De pirraça, o cavalo pisou em seu rabo. O gato ficou com raiva e partiu para as ofensas verbais, chamando o cavalo de filho da égua, o que, pra falar a verdade, não ofendeu tanto assim. O cavalo decidiu entrar no jogo, tratando de relinchar os xingamentos mais cavalares que conhecia. No meio da discussão que se seguiu, os dois perceberam que a televisão já não estava nem no desfile de moda, nem na competição de hipismo, mas num programa de fofocas. Será que haviam trocado de canal sem querer? Não. A responsável pela troca fora uma águia que havia acabado de meter o bico onde não fora chamada. Ela olhou feio para os briguentos e, em vez de dizer que pareciam dois irracionais, como estava querendo, pediu para ficarem quietos, pois queria saber de qual artista famoso a apresentadora estava falando. Cavalo e gato trocaram um olhar rápido, depois começaram a discutir com a águia falando ao mesmo tempo.

O lugar virou uma confusão de relinchos, miados e grasnidos, onde cada animal defendia o que achava que era a melhor atração da tevê. Depois de algum tempo, quando perceberam que não iam chegar a uma decisão unânime, decidiram considerar uma quarta opinião. Acordaram então um homem que dormia profundamente numa cama ali perto e lhe perguntaram qual canal exibia o melhor programa. Mas o homem não ajudou em nada; disse-lhes grosseiramente para irem pastar, porque queria voltar a dormir em paz sem ser atrapalhado por um bando de antas com perguntas estúpidas. Os animais não gostaram daquilo, se sentiram enxotados – o cavalo pensou que nem um coice seu seria tão indelicado -, e saíram imediatamente, a águia voando janela afora. O homem, bufando feito touro, desligou a televisão e tentou voltar a dormir. Não conseguiu. Remexeu-se na cama várias vezes até se dar conta de que havia perdido o sono.

Não conseguindo pensar em outra opção, ligou a televisão e vasculhou os canais rapidamente, só parando ao encontrar algo que lhe pareceu interessante, um programa desses tido como popular onde as pessoas iam para discutir seus problemas e acabam se atracando umas com as outras, criando as cenas mais bizarras possíveis. Uma voz anunciou quatro horas daquele espetáculo televisivo.

O homem, empolgado, ajeitou-se na cama, preparando-se para quatro horas de barraco e baixaria. Enquanto aumentava o volume, resmungou o seguinte para as paredes:

- Animais...sempre com um péssimo gosto.


sábado, 6 de fevereiro de 2010

O amigo virtual




Eu sei que ninguém gosta de ler textos longos no computador. Eu, particularmente, só leio se tiver a esperança de que o texto tem um conteúdo interessante. Então, eu peço que você, Leitor Fiel (como diria Stephen King), se apegue à esperança de que o que vem por aí é um texto divertido e gostoso de ler, apesar de longo. Boa leitura, e se não aguentar ler de uma vez só pare e continue depois, hehe. Até a vista.

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Ele havia dito que estaria do lado de fora da igreja quando a missa terminasse. Havia dito isso para ela através do computador, pelo bate-papo.
Seria o primeiro encontro deles. Ela nunca o havia visto antes, mas ele já a vira pelas fotos da Internet. Engraçado como ela não pedira para ver fotos dele nessas três semanas em que se conheciam pelo bate-papo. A conversa entre eles era tão agradável que esse detalhe acabava lhe escapando. Na verdade, ela até chegava a lembrar, mas à medida que o papo se desenrolava a coisa saía da sua cabeça. Uma coisa tinha que admitir: a conversa dele era bem charmosa.
Ela nunca ficava entediada ao teclar com ele; ria muito – às vezes quase ao ponto de gargalhar – e fazia muitas brincadeiras. Ele parecia uma pessoa engraçada e divertida, com muitas tiradas irônicas. Isso era bom, aumentava o interesse e deixava as coisas mais descontraídas. Parecia ser inteligente e perspicaz. Conseguia ler nas entrelinhas do que se escrevia, obtendo conclusões muito acertadas. Além disso, em muitas ocasiões lhe dera explicações coerentes sobre determinados assuntos.
Há coisa de uma semana, eles vinham combinando de se encontrar para o “cara a cara”. Como ela de vez em quando ia à missa numa igreja perto da casa dele, parecia ideal se conhecerem em tal ocasião. Ela não estaria sozinha, então não havia o risco de acontecer alguma coisa desagradável caso ele não fosse quem dizia que fosse. Ela sinceramente não acreditava que ele fosse algum bandido mentindo e se disfarçando de rapaz gentil e bacana. Ele lhe fornecera dados e detalhes muito plausíveis sobre sua vida, coisas que não poderiam simplesmente sair de uma mente criminosa. As informações pareciam fragmentos da vida de uma pessoa real, com uma rotina real e problemas reais. Nenhum bandido teria imaginação – nem disposição – para criar algo desse tipo.
Ele era uma pessoa de verdade que, pelo visto, havia contado uma mentira. Não havia ninguém do lado de fora da igreja com as características físicas que ele lhe dera. Alto, magro, ligeiramente musculoso, pele morena. Minha cor preferida é azul, então me espere ver vestido com uma camisa azul, ele dissera. Ninguém se encaixava na descrição. Ela passara a missa toda pensando nesse momento, não com uma ansiedade descontrolada, mas com ligeiro interesse e curiosidade. Agora, onde estava ele?
Havia muitas senhoras idosas e outras a caminho da terceira idade conversando, crianças alvoroçadas correndo de um lado para o outro e uma gente andando apressada para algum lugar ao lado da entrada principal da igreja. Bom, na opinião dela pareciam apressadas. Um grupo de cinco ou seis jovens, talvez sete porque ela estava com preguiça de contar, estava conversando mais à esquerda. Alguns deles carregavam bíblias debaixo do braço. De vez em quando uma risada mais alta irrompia de um dos rapazes. Nenhum deles se enquadrava na descrição do seu amigo virtual e, a despeito de um ou dois olhares, nenhum parecia ter interesse especial por ela.
Começou a se impacientar. Onde estava aquele tratante? Sua mãe e seu pai conversavam com alguns conhecidos, mas logo iriam embora. E quando se encaminhassem pro carro, ela não poderia simplesmente pará-los e pedir para esperar alguém que conhecia da Internet. Achariam que ela estava doida. Ou falariam para marcar encontro em outro dia. Isso se fossem os pais da sua imaginação, porque ela nunca pediria algo desse tipo num mundo real. A cara com que seu pai a olharia faria com que tivesse vontade de fugir para o carro e ficar lá por uma semana. Seu plano era se aproximar do seu amigo virtual e começar a conversar normalmente como se fossem velhos conhecidos. Seus pais pensariam que ele era mesmo um velho conhecido. Todo mundo ficaria feliz assim.
Espiou as horas no relógio vermelho que estava em seu pulso esquerdo. Cinco minutos haviam se passado desde que olhara pela última vez. Os grupos começavam a se dissipar, com seus componentes, um a um, indo embora. Nem os jovens que conversavam animadamente continuavam por ali. Haviam ido lanchar em alguma lanchonete nas redondezas, pelo que ela pudera entender. Talvez lá encontrassem um rapaz alto, magro, de camisa azul, rindo a valer por ter deixado uma idiota aguardando-o na saída da igreja. Ele estaria se empanturrando com um hambúrguer bem gorduroso e bebendo um refrigerante cheio de gás. Sim, essa era a dieta dos mentirosos.
Tudo bem, tudo bem. Se ele a queria fazer de boba criando uma falsa expectativa, ela não mais daria bola para ele no bate-papo. Simples, rápido e fácil, como diziam em algum comercial. Seus pais terminaram a conversa e se despediram dos conhecidos. A essa altura, eles eram os únicos à frente da igreja. Ela tomou a frente quando começaram a andar para o carro. Estava um tanto contrariada, mas também tranqüila. Ele não poderia alegar que ela não havia esperado tempo suficiente e também que ela tivera pouco interesse em se conhecerem. Seria mentira e ela teria como rebater. Entrou no banco detrás do carro e afundou no macio assento. Partiram logo depois.
Dez minutos depois que o carro já havia ido embora, uma bicicleta ofegante apareceu. Trazia um rapaz magro, alto, de camisa azul que estava maldizendo todos os parentes folgados da face da terra. Maldita tia Joana! Por que tinha que aparecer lá em casa logo hoje para pedir ajuda?!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Voo (sem acento, segundo a nova regra, hehe)

A mente da criança é curiosamente inversa ao corpo das aves. A ave precisa atingir certo nível de crescimento e desenvolvimento para poder voar, ela precisa ser adulta. A criança já nasce com as asas da imaginação e da criatividade bem desenvolvidas, prontas para voos maravilhosos, viagens divertidas, prontas para a liberdade do que é imaginar. O céu por onde a imaginação voa é amplo, infinito, mais azul que o céu mais bonito que já houve. À medida que cresce, as asas vão parando de bater com tanta intensidade, os voos são poucos e duram menos. O céu já não é tão azul. E chega uma hora em que as asas já não ousam voar para muito longe, para territórios inexplorados, para domínios novos. Chega uma hora em que as asas ficam atrofiadas. É triste.

A imaginação pode, mas não ousa. Voar para longe não é mais possível, não há mais tempo pra isso. Guardam a imaginação numa gaveta mental e só abrem a bendita gaveta para dar uma espiadinha. A imaginação se torna um móvel já gasto, mas em perfeito estado de uso e aproveitamento que se guarda na despensa. “Uso você depois, tá?”. Na verdade, a imaginação é um brinquedo. Muito valioso quando se é criança e mal aproveitado quando se é adulto. É aquele brinquedo que a gente guarda porque não pode jogar fora. A imaginação também é uma casa enorme, gigantesca, cheia de cômodos, com mais cômodos do que você pode contar. A criatividade é a chave que você usa para abrir a porta e adentrar esses cômodos. Há cômodos que levam a outros cômodos e esses outros cômodos revelam milhares de outros. Sem criatividade, esses cômodos infelizmente vão ficar sempre fechados e você não terá acesso a lugar nenhum. Mas basta criatividade, basta deixar fluir.

Seria legal se fosse assim: há um cara que o convida para entrar e você encontra um local todo vazio. O cara sorri pra você, um sorriso bondoso e sábio, o sorriso de quem conhece todos os segredos do universo e acha todos bem simples, e diz: “Aqui é você quem manda, use a imaginação. Ela é o carro-chefe, o passaporte pra felicidade, é a peça que faz todas as engrenagens funcionarem. Ah, chega de metáforas. É você quem tem que viajar, não eu”. Esse local vazio, esse galpão imenso, se chama ficção. Ela não é nada se você não souber dar voos altos.