quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Distrações

Um homem entrou numa papelaria para comprar algo de que estava precisando. Como o lugar estava cheio, foi difícil para ele arranjar um espaço no balcão. Uma vez tendo conseguido, demorou uns dois minutos para que uma bonita funcionária, exibindo um sorriso simpático, viesse atendê-lo, dizendo:
- Sim, o que deseja?
O homem ficou tão deslumbrado com a moça que esqueceu de falar. Manteve-se quieto, admirando a perfeita pele morena dela, o rosto bem feito e o longo cabelo suavemente ondulado. Ainda havia a boca sorrindo, o nariz elegante e os olhos castanho-claros, que, juntos, formavam um todo muito atraente. Pareceu difícil ao homem concentrar-se em outra coisa que não fosse a beleza daquele rosto.
- Sim, o que deseja? - insistiu a funcionária diante da falta de resposta.
- Eu quero um... - subitamente ele esqueceu o que queria. Tentou lembrar, mas foi inútil - ...um...um...
- Um...?
- Um...é... - forçou a memória, esfregando os dedos na testa. Começava a se sentir um idiota por se encontrar numa situação daquelas. Havia ficado encantado com a beleza da moça a ponto de esquecer do que precisava. O pior de tudo era que não surgia nem uma vaga lembrança do que viera comprar. - Eu quero um...um...
- Lápis? - sugeriu ela, tentando ajudar.
- Não, não é isso - disse ele, pensando que um lápis só serviria para escrever uma poesia exaltando a beleza dela.
- Então, o senhor quer um caderno?
- Não...também não é isso - respondeu ele, pensando que um caderno só lhe seria útil para ter onde escrever a poesia.
- Que tal um... - ela olhou em volta - estojo?
- Não, ainda não é isso.
- Um apontador?
- Não...
- Um envelope de carta?
- Não...
- Um pincel?
- Não...
- Um vidro de cola?
- Não...
- Um cartão de aniversário?
- Não...
A moça já começava a ficar impaciente. O homem, por sua vez, apesar de estar fazendo papel de bobo, até que estava gostando daquilo; quanto mais tempo demorasse para se lembrar, mais tempo ficava contemplando o bonito rosto dela. Quando já se preparava para ouvir outra sugestão, viu que a moça mudou de idéia. Em vez de dirigir-se a ele, chamou outra funcionária e pediu para esta ajudá-lo, enquanto ela própria ia atender outras pessoas que chegavam. Foi uma decepção para o homem vê-la se afastando.
- O que quê o senhor deseja?
Essa outra funcionária era quase o inverso da anterior. No que a outra tinha de bonito, ela tinha de feio. Seu rosto era estranho, seu nariz era torto e sua boca parecia uma boca de palhaço, tamanha a quantidade de batom vermelho nos lábios e até em volta deles. Difícil imaginar como a papelaria havia contratado aquela mulher, que no momento piscava um tanto lisonjeada, ao se perceber examinada pelo homem. Ele, um tanto aborrecido por ter sido deixado pela bonita, afastou-se ligeiramente do balcão.
- Uma espada - disse, pensando em São Jorge.
- Como?!
- Ah, eu quis dizer grampeador.

Um comentário:

Mi disse...

Engraçado como com a feia ele rapidinho se lembrou, né?

Hehehe

Adorei o conto, muito bom!